Por Fábio de Castro, Bruno Ribeiro e Marco Antônio Carvalho | Estadão Conteúdo
Fotos: Antonio Cruz / Agência Brasil |
Dez dias depois do rompimento das barragens de rejeitos da mineradora
Samarco, na região de Mariana (MG), o cenário é de devastação e
desesperança em toda a área atingida, que se estende por centenas de
quilômetros.
O impacto da enxurrada de 62 milhões de m³ de lama avança
rumo ao oceano e deixa um rastro de destruição. O inventário dos
prejuízos sociais e ambientais ainda está apenas começando, mas, de
acordo com especialistas, os ecossistemas atingidos estão
irreversivelmente comprometidos.
Embora as empresas responsáveis sejam
obrigadas pela lei a pagar a recuperação total dos estragos ambientais,
neste momento, nem elas nem o governo ou cientistas sabem como será
possível fazê-lo. Se o impacto ambiental é ainda desconhecido e sua
recuperação inimaginável, suas consequências são bem concretas para quem
as sente na pele.
Em um pasto na margem do Rio do Carmo em Barra Longa
(MG), Gilson Felipe de Rezende, de 42 anos, cuida de cerca de 15 cabeças
de gado. É uma área de menos de um hectare, que até então tinha como
vantagem justamente o rio, fonte farta de água para o gado. Fica a
exatos 71 quilômetros de distância do ponto em que as barragens da
mineradora Samarco romperam. E está coberto de barro. Mesmo a essa
distância, a lama foi capaz de formar ali uma "casca" nas margens e no
fundo do rio, que chega a um metro de espessura.
O curso dágua em que,
antes, era possível navegar de canoa, virou um rio raso. Nessa crosta de
lama, os peixes aparecem aos montes, grudados no chão, como se fossem
fósseis. Toda a região tem cheiro de carniça. "Tinha umas 50 capivaras
que ficavam por aqui. Desde que a barragem rompeu, só vimos uma", conta
Rezende.
A cena impressiona mais quando ele conta como a lama chegou:
quando a enxurrada, que vinha do Rio Gualaxo do Norte, desaguou no Rio
do Carmo, seguiu tanto pelo fluxo normal da água quanto no sentido
oposto. "A lama avançou contra a correnteza", explica. E avançou quase
um quilômetro contra a água, até formar uma espécie de represa. Agora,
perto de Barra Longa, o rio tem parte do curso desviado para o mato. O
que segue é um fio de água ao redor das margens de lama grossa.
O
rebanho de Rezende está em risco. "As duas nascentes que têm por aqui
secaram. Vai demorar uns 10 anos para isso voltar a ser como
era." Talvez demore mais. De acordo com Carlos Alfredo Joly, do
Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
dificilmente será possível reverter o impacto da lama na biodiversidade.
"Os rejeitos que se acumulam nas margens dos rios formam um sedimento
duro, que altera a composição do solo, tornando-o mais compacto. Com
isso, as matas ciliares serão afetadas, matando as árvores que não foram
carregadas pela enxurrada de lama e abrindo grandes
clareiras." Enquanto isso, segundo Joly, a perda de oxigênio da água
condenará a fauna dos rios, afugentando ou dizimando os animais que se
alimentavam dela. "Pode ser até que a floresta se recupere, mas vai
demorar mais que o tempo de uma vida. Nenhum de nós viverá para ver a
vegetação voltar a ser como era." Para quem vive da pesca no Rio Doce, a
situação é dramática.
O pescador Eli da Silva Soares, o Paco, de
38 anos, percorre de barco parte da região afetada e aponta os peixes
que agora flutuam mortos no rio. "Como a gente vai fazer agora? Isso
aqui está tudo morto. Vai levar muito tempo para poder pescar de novo",
afirmou.
De cima, a água laranja do Rio Doce parece estática. A lama de
rejeitos se move a cerca de 1,2 quilômetro por hora desde o dia 5,
quando aconteceu a tragédia, e vai percorrer toda a calha de 853
quilômetros entre o município de Rio Doce, em Minas, até Regência, vila
do município de Linhares (ES), onde encontra o Oceano Atlântico. A
expectativa é que a onda atinja o oceano neste fim de semana, levando
mais problemas de abastecimento a cidades capixabas.
Segundo Alexander
Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP),
quando a água poluída do rio chegar ao estuário, a decantação de um
sedimento diferente do natural terá impacto intenso na fauna marinha.
"Mais turva, a água não deixará passar a luz e impedirá a fotossíntese
das algas no fundo, afetando também o plâncton. Esses organismos são a
base da cadeia alimentar e sua perda terá impacto em todos os organismos
marinhos. Os peixes morrerão ou fugirão, afetando severamente a pesca
local. A areia das praias mudará suas características", disse Turra. Segundo ele, cada vez que uma chuva forte atingir o vale do Rio Doce,
mais lama endurecida se dissolverá e escorrerá novamente para o mar.
As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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