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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Entrevista: Trabalhador rural fala sobre as dificuldades da vida no campo:

Francisco de Jesus Rodrigues é produtor rural do município de Feira de Santana, região do recôncavo Baiano.
Na manhã desta quinta-feira (02), o produtor rural Francisco de Jesus Rodrigues, conhecido como Dinho do Caroá, esteve no Programa Acorda Cidade para desabafar. Ele falou sobre as condições de plantio, educação, assistências governamentais para o homem do campo. “A gente precisa que os governantes olhem para o campo, com o mesmo respeito que o campo olha para eles”, afirmou Dinho.

Dinho do Caroá, qual o motivo do seu desabafo?
Sempre escutamos no rádio e na televisão, os políticos falarem que é preciso trabalhar para que o homem do campo permaneça no campo. Mas, que condições estão dando para que isso aconteça? A agricultura da região de Feira de Santana é toda familiar, não produzimos em alta escala. Não temos políticas voltadas para o homem do campo, nem o Município, nem o Estado, nem o Governo Federal. A gente vê muito “oba, oba”, mas na prática nada é feito pelo trabalhador rural. Por exemplo, quando tem a seca, a Embasa, que gastou milhões patrocinando a micareta de Feira de Santana, não envia um carro pipa para o campo. Eles querem que a gente permaneça no campo passando sede e fome?

O Governo não oferece nenhuma assistência para o trabalhador rural?
As políticas que são feitas para o trabalhador rural não contemplam a todos. Há pouco tempo, tínhamos o Garantia Safra, que é um modelo que vem de outro Estado. Em Feira, esse projeto só contemplava quem tinha acima de uma tarefa e meia, assim os produtores mais carentes eram excluídos do programa. Além disso, o nosso calendário agrícola é baseado no calendário de outras regiões, como o de Brasília, o que prejudica o trabalhador daqui, pois o regime de chuva é diferente.

Como está o plantio no ano de 2011. Houve atraso nas plantações?
Se a gente for avaliar desde o início da chuva, está atrasado. Porque a chuva na nossa região não é tão duradoura como em outras. A expectativa é que, se a chuva se estender por mais alguns dias, tenhamos uma boa produção.

Qual tipo de assistência vocês recebem para viabilizar o plantio?
Há algumas semanas eu escutei nesse mesmo programa, o secretário Ozeny Moraes (Secretário de Agricultura e Recursos Hídricos), falar que estava sendo feita a distribuição de sementes e tratores no campo. Mas, não é só a semente e a máquina que fazem uma boa produção. A gente precisa de assistência técnica, mas a (EBDA) Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola, não dá. O que ela faz é visitar as comunidades e só.

O Senhor então afirma que a EBDA não presta o auxílio correto ao produtor rural?
A EBDA faz uma visita, uma palestra vez ou outra. Ela não prepara os nossos jovens para o mercado de trabalho. Precisamos de uma EBDA mais ajustada as nossas necessidades, com assistência social, agrônomos, nutricionistas, que tragam a modernidade para o campo. A EBDA deve ter uma equipe estruturada para atender o homem do campo, fora disso não vejo condições do homem permanecer na zona rural. Um estudo feito pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) mostrou que o solo da nossa região está empobrecido, com baixa produtividade. Poucos agricultores sabem fazer a correção do solo, porque os técnicos estão dentro dos escritórios. Para aprender isso é preciso que eles estejam ao lado do trabalhador, mostrando como se faz. Outra coisa, o pequeno produtor não tem material para nada. Por exemplo, se ele tem duas vacas e precisa fazer o parto de uma, ele procura alguém da ADAB (Agência Estadual de Defesa Agropecuária) ou da EBDA e não encontra ninguém. Resultado, ele tem que vender uma vaca para pagar o parto da outra.

E o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Qual tipo de apoio ele dá ao produtor?
Em primeiro lugar, atualmente não temos mais dirigentes do Sindicato, mas sim donos do Sindicato. Eles se envolveram muito com a política partidária e esse envolvimento alienou o sistema, criando divergências internas. Hoje temos duas federações, e com isso, quem se fortalece é o governo que alimenta as duas, assim ninguém atropela ele. O que o Sindicato ajuda é só na questão previdenciária. Não se discute no Sindicato uma agricultura mais moderna, nem se faz um esforço para que os órgãos competentes assumam a responsabilidade com o trabalhador rural. Nossa região não tem produção organizada, não tem um modelo pré-definido. A maioria dos trabalhadores não sabe nada da atividade econômica, não sabe como melhorar a renda familiar, como fazer dias melhores para ele e para a sua família. Com isso, muitos estão indo morar nas cidades.

Como é a vida do homem do campo que migra para a cidade?
O homem do campo que vem para a cidade não vai para os grandes centros. Ele vai pra favela. E a geração dele, filhos netos, outros e outros não terão as condições de educação e trabalho dignas para construir uma vida melhor. Ficam vivendo de Bolsa Família.

O senhor recebe Bolsa Família?
Não. O Bolsa Família é um programa importante, mas é necessário que, junto com ele, seja criada uma forma de disciplinar as pessoas para que elas se entusiasmem a sair dessa dependência. Porque o Bolsa Família é uma dependência. As pessoas recebem e cruzam os braços. Eu acredito que hoje se acabar com esse programa, em no máximo 90 dias, a crise na parte de alimentação de famílias vai se pior do que antes do auxílio. Sem contar que a educação no campo é ruim.

Qual a situação da educação na zona rural?
Hoje as crianças passeiam na escola. Se na cidade a educação já é deficiente, na zona rural a situação ainda é pior. Eles só se interessam pelo dinheiro. Os professores chegam 9h e saem 11h. Dessa forma, o aluno fica sem formação. Qual o futuro dessas crianças? Eles vão conseguir se formar com dignidade? A escola não é responsável por toda a educação. Educação é coisa da família. Na escola eles têm que aprender a ler e escrever, ter uma formação profissional, mas é o pai e a mãe que devem educar os filhos. Mas, as pessoas se esqueceram disso. Criaram o tal Estatuto da Criança e do Adolescente, mas não criaram uma estrutura para os pais das crianças. Antigamente, a gente não via essa violência contra a criança que a gente vê hoje. Por exemplo, a Praça da Matriz em Feira. Você passa lá 5h da manhã e encontra crianças dormindo em caixas de papelão. Que estatuto é esse que só funciona na teoria?

Para o Senhor, qual a solução para que o homem do campo possa viver com dignidade?
É garantir nossos direitos trabalhistas. O homem do campo trabalha sem décimo terceiro, férias, seguro desemprego. A gente se aposenta, em media, com 58 anos. Mas, se a gente trabalhar um mês em uma empresa privada não somos mais considerados trabalhadores rurais. A gente não tem vale transporte, a maioria dos trabalhadores moram em um pequena propriedade, que dificilmente garante um salário mínimo mensal. A gente precisa que os governantes olhem para o campo, com o mesmo respeito que o campo olha para eles. Com respeito, valorizando o trabalho feito por eles. O trabalhador não quer sair do campo, mas quer viver com dignidade.

Fonte: Acorda Cidade