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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Procuradoria aponta 'desvio de finalidade' de Bolsonaro em comissão sobre ditadura

Em ação civil pública ajuizada em Porto Alegre (RS), o Ministério Público Federal acusou o presidente Jair Bolsonaro (PSL) de cometer "desvio de finalidade" ao destituir e nomear, no final de julho, quatro membros da comissão do governo federal responsável por reconhecer crimes do Estado e localizar corpos de militantes de esquerda desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985).
O MPF afirma que o decreto da substituição teve "vícios insanáveis", como "motivação deficiente e inobservância do procedimento exigido para o ato". Em 29 de julho, incomodado com a ação institucional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em defesa das prerrogativas profissionais do advogado de Adélio Bispo de Oliveira (um portador de transtorno mental que tentou matar o então candidato à Presidência em setembro do ano passado), Bolsonaro atacou o presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz.

Ele disse que o pai de Felipe, Fernando, integrou "o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco" e afirmou que detinha informações sobre o paradeiro dele. Fernando, militante da oposição à ditadura, em 1974 foi sequestrado por agentes da repressão e permanece desaparecido desde então. De acordo com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), ele morreu sob tortura dias depois de sua prisão. Não havia nenhuma acusação de que ele tivesse participado de qualquer ato terrorista.

Em reação à afirmação de Bolsonaro, no mesmo dia 29 a então presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a procuradora da República Eugênia Gonzaga, solicitou à Presidência que revelasse que informações o presidente detinha sobre o paradeiro de Fernando.

Um dia depois, Bolsonaro destituiu quatro dos sete membros da comissão, incluindo a procuradora da República. Entre os quatro nomeados estavam um deputado do PSL do Paraná, Filipe Barros, que elogiou o golpe militar de 1964, um coronel reformado do Exército, Weslei Antônio Maretti, que chamou de "exemplo" um dos principais acusados de torturas e assassinatos na ditadura, e outro filiado ao PSL, Marco Vinicius Pereira de Carvalho.

O Ministério Público Federal ajuizou a ação civil pública na 3ª Vara Federal de Porto Alegre nesta segunda-feira (30). Ele pede a anulação do decreto presidencial das nomeações, o que as tornaria também nulas, e a declaração de nulidade de todos os atos praticados pelos novos membros da comissão desde a posse.

Na petição, os procuradores mencionam uma entrevista concedida por Bolsonaro em 1º de agosto. Quando indagado sobre a razão pela qual decidiu trocar os membros da comissão, Bolsonaro respondeu: "O motivo é que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também”.

Os procuradores apontaram na ação civil que o processo administrativo para a troca dos membros da comissão estava parado desde maio e só voltou a andar no mesmo dia 29 de julho em que a então presidente da comissão cobrou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, explicações da Presidência sobre o paradeiro de Fernando Santa Cruz.

"Há inegável desvio de finalidade no decreto presidencial porque o objetivo revelado pelo Chefe do Poder Executivo, em entrevista concedida no último dia 1º de agosto, é incompatível com as finalidades específicas buscadas pela comissão, as quais, como se viu, transcendem a divisão do mundo entre direita e esquerda", diz a petição subscrita pelos procuradores Enrico Rodrigues de Freitas, Sergio Suiama e Ana Padilha de Oliveira, lotados no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

"O trabalho desenvolvido pela comissão, desta forma, nada tem de ideológico, pois visa, antes de mais nada, atender a um mandamento constitucional, legal e ético, consistente na busca pelo paradeiro de desaparecidos em razão de atos cometidos pelo próprio Estado brasileiro durante o último regime de exceção", diz a ação civil pública.

Os procuradores atacam o argumento do Ministério da Mulher e que as nomeações são "um ato administrativo discricionário do chefe do Poder Executivo, segundo seus critérios de oportunidade e conveniência".

Segundo eles, a natureza do ato "não elimina nem exclui o controle jurisdicional da legalidade do ato". "Como é sabido, há desvio de finalidade ou de poder quando o agente afasta-se da finalidade que deveria atingir para alcançar resultado diverso, não amparado pela lei", diz a ação civil.

Os procuradores apontam que: "inexiste nos autos do processo administrativo justificativa específica para a escolha dos nomes dos membros substitutos indicados" e a nomeação do deputado Filipe Barros "não é válida, pois a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, titular da vaga, não foi consultada pela Presidência da República" para que indicasse o nome.

Os procuradores pontuaram ainda que os currículos dos novos integrantes "não foram apresentados" e não constam do processo administrativo encaminhado ao Ministério Público Federal pelo Ministério da Mulher. De acordo com os procuradores, a CNV concluiu que "das 243 vítimas de desaparecimento forçado durante a ditadura militar no Brasil, apenas 33 delas tiveram seus corpos identificados". Assim, os trabalhos da comissão devem continuar para localizar e indicar o que houve com os outros desaparecidos.

Os procuradores ressaltam que a comissão não foi criada apenas por iniciativa do Executivo, em lei desde 1995, mas também como atendimento a uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada na Costa Rica. "O Estado brasileiro tem, com efeito, o dever de promover a busca por desaparecidos políticos e das pessoas que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, tenham falecido por causas não naturais ou cometido suicídio. Atualmente, o único órgão do Estado brasileiro cujas finalidades incluem esta difícil temática é a CEMDP [comissão]", dizem os procuradores.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos informou que "o pedido [de informações] deve ser direcionado para a Advocacia-Geral da União".

Por Rubens Valente | Folhapress / Extraída do BN

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