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terça-feira, 15 de novembro de 2011

SALVADOR - Por onde anda? O herói tratorista que se recusou a demolir casas e emocionou o Brasil:

Amilton dos Santos ficou conhecido, em 2003, pela atitude heroica

Para a maioria dos brasileiros, a manhã de dois de maio de 2003 poderia ser somente uma daquelas datas do calendário renegadas ao esquecimento. Nenhum grande feito histórico, nenhuma decisão de Estado considerável, nenhuma morte de uma personalidade importante. Aquele dia, entretanto, ficaria marcado pela simplicidade e pela força estrondosa dos pequenos gestos e pela rebeldia singela dos heróis anônimos do cotidiano.

Um baiano de 53 anos, pai de família, sem muita formação escolar, de conversa simples e afável nos tratos, enfrentou a ordem dos patrões, desafiou a decisão da justiça e seguiu aquilo que acreditava ser o mais importante entre os seres humanos - a solidariedade. Amilton Santos, no comando de um trator, foi contra tudo e todos e se tornou um herói e exemplo para os brasileiros. 

Obrigado a demolir duas casas que abrigavam quinze pessoas no bairro da Palestina, ele desceu do trator, chorou, foi ameaçado e pressionado a cumprir uma determinação judicial. Acuado, tentou mais uma vez, mas não conseguiu passar por cima da própria crença e dos seus sentimentos.

A historia do operador de máquinas Amilton, hoje com 61 anos, ganhou repercussão em diversos meios de comunicação e emocionou o Brasil. Despertou a curiosidade, foi tema de entrevistas, de debates sobre as ordens judiciais, inspirou autores de novela e trouxe de volta a sensação de que o mundo ainda tem muito espaço para a honestidade, fraternidade e para a compaixão. "Foi um dia que mudou tudo para mim e eu faria exatamente tudo de novo. Eu tenho casa, tenho família, e com que direito eu poderia chegar e passar o trator por cima da casa dos outros deixando todo mundo sem ter onde dormir? Sem ter um abrigo? Esse tipo de serviço nunca fiz e não me chamem. Primeiro de tudo, o coração e o bem das pessoas", relembrou o tratorista. 

Oito anos depois do episódio, Amilton continua trabalhando na mesma empresa, fazendo serviços de terraplanagem. Em uma dessas ironias do destino, a atividade principal dele, desenvolvida durante às 8h diárias de trabalho, é preparar o terreno para a construção das obras do projeto "Minha Casa, Minha Vida". "A casa da gente é o lugar onde você descansa, se alimenta, vive com sua mulher, com seus filhos, com seus parentes. Ficar sem isso é a mesma coisa que tirarem um pouco de sua vida ou não é?", pergunta.

O herói tratorista que mora no bairro da Fazenda Grande do Retiro com a mulher e dois filhos, diz que é ainda é lembrado e admirado pelo feito que marcou a sua vida e a vida dos moradores da Palestina. No ano de 2004, foi candidato a vereador, mas perdeu a vaga. A rápida passagem pela política não deixou nada de tão memorável: "É uma coisa que não me meto mais. Para o futuro, eu só quero saber de saúde, de viver bem mesmo e de trabalhar". O tempo que sobra também é dedicado aos dez filhos que tem. Embora a maioria já possua mais de 18 anos, o operário faz questão de estar por perto, conversando, acompanhando e, quando possível, ajudando: "Eles tem uma grande admiração por mim, acham que sou o herói deles, que tenho o coração bom", explica.

As lembranças do dia

Apesar de não ter nenhum material de jornal, nenhum vídeo ou algum documento que relate com precisão os fatos daquele dia, Amilton lembra de praticamente toda a sequência com detalhes. Ele conta que havia tido um sonho ruim e estava um pouco confuso antes de sair para a empresa. Logo que chegou ao trabalho, o operário recebeu do patrão a ordem de derrubar casas velhas e vazias que estariam prestes a desabar.

No local, já se encontravam os dois oficiais de justiça designados pelo Fórum de Salvador para cumprir o mandado de demolição das casas de Telma Sueli dos Santos Sena  e de Ana Célia Gomes Conceição e para garantir a reintegração de posse do terreno. Para garantir a tranquilidade da operação, seis viaturas da 31ª. Companhia da Polícia Militar e cerca de 20 soldados armados com revólveres, escopetas e fuzis, comandados pelo Major Castro, acompanhavam os trâmites para assegurar a execução da ordem emitida pelo juiz Cláudio Fernandes de Oliveira, na época titular da 12ª. Vara de Feitos Cíveis.

A chegada dele ao local, com a retroescavadeira, iniciou os preparos para desalojar as famílias. Os oficiais ratificaram a determinação judicial e Amilton chegou a ligar a ignição. Nervoso, com as mãos trêmulas, diante de dezenas de vizinhos e principalmente com o desespero das duas famílias, o operário se recusou a prosseguir. A família, segundo ele, repetia aos gritos súplicas a Deus. Em seguida, começaram os pedidos afoitos de "Pare, pare, pare!".

Amilton, sem saber ao certo das consequências que o ato poderia ter, desabafou aos prantos: "Não posso fazer uma coisa dessas. Não posso fazer isso". E repetia ininterruptamente  para os oficiais: "Isso não é direito! Não é direito! Não posso derrubar a casa de um pai de família e de um trabalhador como eu. Isso poderia estar acontecendo comigo e eu não acho certo. Não é direito!"

Ameaçado de prisão, ele ainda tentou uma segunda vez, mas não conseguiu cumprir a ordem. Esclareceu que sofria de problemas no coração e que tinha pressão alta. Com disposição voraz para cumprir o estabelecido, outro operador de máquinas foi chamado para fazer o serviço. Novamente, a recusa. Com a mobilização, a comoção, o próprio desgaste de horas de tensão entre moradores e policiais, além da própria repercussão, a empresa mandou recolher a retroescavadeira.

"Hoje eu olho aquilo e vejo que foi Deus quem me ajudou a tomar aquela decisão. Nunca me esqueço, não posso me esquecer. E sempre que posso ainda visito Dona Telma e a casa", diz.

 Herói ou apenas um homem justo?
A pergunta que costuma se repetir para o operário é se ele considera que a atitude foi digna de um herói. Ainda que tenha algumas reservas, ele não esconde que seu gesto foi corajoso: "Eu podia ter sido preso, demitido e nada disso aconteceu. Eu sei que muita gente na mesma situação não faria a mesma coisa. Mas não podia deixar aquilo acontecer, fazer aquilo. Eu acho que a justiça não estava certa naquela hora. Então, se você pensar assim, naquela pressão total, eu acho que fui um herói".
Inevitavelmente, por trabalhar no mesmo ramo, as memórias do caso estão sempre presentes. "Quase todos os dias, quando subo no trator, lembro um pouco. Quando vi o prédio que caiu em Massaranduba, lembrei das pessoas que poderiam perder suas casas naquela situação. A mesma coisa com Holyfield. Meus olhos ficaram cheios de lágrimas. Isso só mostra que tem muita gente boa fazendo bem. E é isso que a gente, quando pode, deve fazer".
Por: Gilvan Reis / Fonte: iBahia

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