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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Grupos evangélicos fazem das dunas de Itapuã o Monte Sinai soteropolitano

No topo do monte, apenas sob a luz da lua e de umas poucas lanternas de celulares, o que se ouve são orações, choros e rezas em línguas estranhas

Foto: Arisson Marinho
Para quem quer falar com Deus, a MPB já recomenda: tem que subir aos céus. Porém, para evangélicos que frequentam as elevadas dunas da Lagoa do Abaeté com o intuito de orar, chegar mais perto dele ou apenas se distanciar da cidade já está valendo. “É um local de refúgio. Você sai do plano terrestre e passa a se conectar com o espiritual. É um local onde os crentes vêm buscar respostas de Deus, fazer sacrifícios a ele”, explica a dona de casa Daci Cerqueira, 43 anos, que há cinco frequenta o local todas as sextas, dia em que há maior movimento no ‘Monte de Oração’, como já foi batizado.

No ‘Monte de Oração’, crentes fazem suas orações à noite (Fotos: Arisson Marinho)
O acesso ao monte é próximo da rotatória da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), na avenida Dorival Caymmi, em Itapuã. Quem passa por lá percebe o movimento de carros estacionados no campo de futebol improvisado, no pé da colina, e pessoas, muitas delas vestidas com longas roupas brancas, que pouco a pouco somem na escuridão. “O que a gente faz aqui é mistério de Deus, e só quem está em sintonia com ele entende o que acontece aqui. É uma questão de fé”, adverte a estudante Fernanda Nunes, 16 anos, confirmando que os frequentadores do local recebem críticas de quem está fora da sintonia citada por ela.

No topo do monte, apenas sob a luz da lua e de umas poucas lanternas de celulares, o que se ouve são orações, choros, cânticos e rezas em línguas estranhas proferidos por centenas de pessoas. Em plena Área de Preservação Ambiental (APA), que faz parte do Parque do Abaeté, protestantes se reúnem em círculos ou prostrados, de joelhos e com a cabeça próxima da areia. “Aqui o povo de Deus não resiste ao mover do Espírito Santo, é gente que dança, que cai no chão, que fala em línguas que o homem pode achar que é loucura, mas que é puro mistério de Deus”, relata a comerciante Eliene Souza, 39. Antes de subir, geralmente com as mãos para o alto, os evangélicos oram primeiro no pé do monte, explicam que essa primeira oração é de perdão, de desassociação com a “vida mundana”.
Segundo Eliene, a maioria dos frequentadores é pentecostal, como ela, que recebem aqui revelações de coisas que estão para acontecer e milagres. “O que sei é de pessoas que conseguiram emprego, que tiveram os propósitos com Deus cumpridos, eu mesmo já alcancei a graça de uma casa e um terreno, questões que eu entreguei no monte a Deus, de joelhos”, diz Edílson Correia, 45, da igreja Tabernáculo de Oração, no Alto do Coqueirinho. “Eu tinha dores absurdas na coluna e, quando eu comecei a vir para cá, Deus me usava, eu dançava de um jeito que pensava: ‘amanhã eu nem levanto da cama’, mas era Deus me curando, me colocando no prumo. Aqui, vi muito fogo rondando o povo de Deus, e hoje estou curada”, diz a comerciante.
Algumas vezes, mesmo quem passa despretensiosamente pela avenida, pode ver fumaça e fogo subindo. “Às vezes, trazemos pedidos em papéis para o Senhor e queimamos aqui, em oração”, explica Eliene. O ritual inclui a 

consagração de garrafas de água, perfumes, documentos e azeite de oliva. No Monte Sinai baiano, a única coisa que preocupa os evangélicos é a ocorrências de assaltos, destoando do verdadeiro Monte Sinai, onde o personagem bíblico Moisés teria recebido os 12 mandamentos, entre eles, o “não  furtarás”.

Encontro reservado É com base em passagens da Bíblia que sempre têm à mão que os evangélicos dizem fazer da subida nas dunas de Itapuã uma repetição do que fez Jesus. “O próprio Jesus orou no Monte Sinai, no Monte Carmelo, nos desertos”, exemplifica Orlando Santos Jesus, 37. “Aqui estamos no silêncio, reservados. Jesus também subiu ao monte para ter um encontro reservado com Deus”, completa o pastor de Orlando, Marcos Pereira, 27, da igreja Cristo É Vida. Para o religioso, o ato de subir o monte - que inclusive já se tornou um jargão – faz parte de um sacrifício necessário para o amadurecimento da fé.
“Dia de sexta-feira, as pessoas, inclusive os crentes, querem comer uma pizza, ver um filme. Quando você abre mão dessas coisas para dedicar o dia ao Senhor, é um sacrifício”, explica a missionária e advogada Loise Milene de Jesus, 31, frequentadora da Igreja Universal do Reino de Deus. A pessoa que vai ao monte, seja ela das igrejas Casa da Bênção, Deus É Amor, Batistas Renovados, ou pentecostais em geral, acredita que o sacrifício deve fazer parte da vida cristã. “A fé sem obras é morta”, resume o missionário Edílson Correia.
Onde se deve orar?

Apesar da crescente quantidade de ‘crentes’ frequentando o morro, alguns evangélicos acreditam que práticas como as do Monte Sinai baiano são desnecessárias e argumentam, também, com trechos da Bíblia. “No evangelho de João, uma mulher pergunta a Jesus: ‘onde é o local certo para orar’. E ele respondeu: ‘chegará uma hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai, mas os verdadeiros adoradores o adorarão em espírito e em verdade’. Então, a minha opinião é com a palavra, que me diz que não preciso ir para o alto. Quem ora em sua casa, na igreja, no quarto, Deus ouve”, acredita o pastor Romenil Santos, 45, bacharel em Teologia e membro do Conselho de Ministros Eclesiásticos do Brasil. Já para o pastor batista Eduardo Teixeira, é necessário ter cuidado com generalizações. “Fazer do monte um lugar onde ‘todo cristão deveria ir’, ou ‘o único lugar onde Deus fala’ - e pensamentos parecidos -  pode ser visto como um certo desequilíbrio. Deus se manifesta para qualquer tipo de pessoa, em qualquer lugar”, acredita.

Segundo ele, que nunca foi ao monte, “o importante é que o lugar é um ambiente saudável para os irmãos”, conclui. Em fóruns na internet, em que grupos discutem a visita a montes para orar, percebe-se que esse não é um movimento soteropolitano. Há registros de grupos que se reúnem no morro de Santo Antônio (em Cuiabá–MT); em montes da Baixada Fluminense, como o localizado na bairro Vila União, em Nova Iguaçu; além do monte do Jardim Noronha e do Menonita, em Itapecerica da Serra, São Paulo. Pernambucano, Edílson Correia, 45, veio para Salvador há cinco anos, quando começou a frequentar o monte em Itapuã. “Lá em Recife também frequentava um local conhecido como Alto do Céu, uma bênção!”, diz.  

Em Salvador, um segundo local é frequentado pelos evangélicos, em Armação. “Nos fundos do Centro de Convenções, muitas pessoas oram às sextas. 
Tem quem faça vigílias”, conta o pastor Romenil Santos, 45.

Risco de assaltos

Sem iluminação e em local ermo, o ‘Monte da Oração’, em Itapuã, é inseguro. Segundo o major Aloísio Ervans, comandante da 15ª Companhia da PM, os frequentadores do local se expõem. “Sempre tem algum religioso no local. Durante o dia, tudo bem, porque há movimento, mas pela noite é uma grande exposição. Não é recomendado entrar em área de duna”, explica Ervans, que, por outro lado, admite. “Não sei se as pessoas respeitam, pelo fato de serem religiosos, mas não tenho registros oficiais de ocorrência naquela região”, diz. Mas, segundo a assessoria da Polícia Civil, na 12ª Delegacia  (Itapuã) foram registrados pelo menos três assaltos no último mês. O pastor Marcos Pereira, 27, diz que a escolha das sextas-feiras é uma estratégia para driblar a insegurança. “Já tentei subir o monte um dia de segunda e quando cheguei um casal de pastores desceu correndo e gritando, dizendo que havia assaltantes lá em cima. Por isso que as pessoas costumam vir às sextas, que tem mais movimento”, explica. Para o PM, a existência de mata nativa nos arredores aumenta os riscos. Além disso, o local é uma área de restinga e faz parte da Área de Preservação Ambiental do Abaeté. “É um ecossistema que tem animais peçonhentos, como cascavéis e uma vespa sem asa que solta uma substância tóxica”, adverte Jorge Santana, diretor-presidente da Universidade Livre das Dunas e Restingas do Salvador. Jorge diz que pretende fazer o cercamento da área. “Nos dez anos que esse local é usado, nós já percebemos impactos ambientais. Não queremos proibir, mas é preciso ordenar. Fazer um trabalho de educação ambiental com os frequentadores, lembrá-los de que foi Deus quem criou tudo aquilo, e que temos que preservar”, diz.

Fonte: correio / Por Alexandro Mota

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